O quadro da tragédia com os infortúnios laborais continua em alta
Noticia a Folha de São Paulo, Caderno Dinheiro, edição de 05.08.09 que o quadro da tragédia com os acidentes do trabalho no Brasil, continuam em alta.
O Brasil é “campeão mundial de acidentes do trabalho”, apesar de possuir uma das melhores legislações de proteção ao trabalho, exigindo das empresas empregabilidade digna e de qualidade, em meio ambiente laboral, livre de acidentes e ou de adoecimentos ocupacionais. Mas apesar disso, o quadro da tragédia continua em alta. E porque?
Em nossa opinião, por uma razão simples. Falta de vontade política para se fazer cumprir e respeitar a legislação infortunística vigente e a legislação de benefícios, que assegura a todos os trabalhadores segurados doentes, o direito ao benefício auxílio doença-acidentário, enquanto persistir qualquer lesão e ou seqüela para o trabalho. Ao invés de se assegurar primazia aos princípios fundantes da Carta Cidadã que dá prevalência ao social, à responsabilidade social do capital com a empregabilidade digna e de qualidade em meio ambiente laboral, livre de acidentes e ou de adoecimentos ocjupacionais, há todo um sistema montado, para proteger o interesse patrimonialístico, irresponsável, jogando o peso do infortúnio em cima do trabalhador acidentado, de sua família, da própria sociedade, como um todo, que disponibiliza ao mercado um filho seu, sadio e o recebe de volta mutilado, excluído do mercado de trabalho, em prejuízo, final ao próprio Estado.
A fiscalização governamental é pífia e o próprio MTE já desmontou o importantíssimo setor de defiscalização conhecido como SST, como informa a Auditora Fiscal do Ministério do Trabalho, Dra. Fernanda Giannasi:
“O Ministério do Trabalho e Emprego desmonta setor de fiscalização (SST), efetivando seu projeto hegemônico de uma fiscalização subordinada a interesses meramente arrecadatórios para os cofres do governo, em setores periféricos da economia e com fins de geração de dados estatísticos, cuja confiabilidade e metodologia de obtenção são discutíveis, permitindo sua manipulação político-eleitoreira”.
É consabido que apenas média de 20% dos acidentes de trabalho ocorridos no Brasil são comunicados, violando-se o disposto no art. 20 da Lei 8.213/91 que obriga o empregador a emitir a CAT – Comunicação de Acidentes do trabalho, mesmo em caso de dúvidas. E também é consabido que o INSS tem uma política de gestão patrimonialista que nega o benefício acidentário sem que o empregador tenha emitido a CAT. Como há uma cultura equivocada de que investir em prevenção é custo e não investimento que é, o quadro da tragédia continua, porque o benefício com fonte de custeio não é assegurado ao trabalhador segurado acidentado, em 80% dos casos, quando se concede, quando muito, o benefício auxílio doença-comum, aumentando o propalado “déficit”, conhecido como “rombo previdenciário”.
Leia o quadro da tragédia sobre a mantença dos altos índices em acidentes do trabalho que continuam a macular a imagem do Brasil que não dá efetividade aos direitos fundamentais à prevalência da vida com qualidade ao trabalhador brasileiro, mesmo aos protegidos pela legislação infortunística e de benefícios previdenciários.
1)- Construção civil registra mais mortes em SP
De janeiro a julho deste ano, 12 operários morreram em obras da capital paulista, aumento de 33% em relação a igual período de 2008
Para fiscais, redução de custos em segurança, pressão para aumentar jornadas e falta de prevenção põem o trabalhador em risco
A piora nas condições de trabalho, a redução de custos feita pelas empresas na área de saúde e segurança -em reflexo da crise mundial- e a fiscalização insuficiente levaram ao aumento no número de mortes na construção civil paulista.
A avaliação é de fiscais do Ministério do Trabalho, médicos, engenheiros e consultores em saúde e segurança do trabalho.
Só na capital paulista, 12 operários morreram em acidentes de trabalho de janeiro a julho deste ano. No mesmo período de 2008, foram nove mortes, segundo a Superintendência do Trabalho de São Paulo (SRTE), órgão regional do MTE. Em 2008 inteiro, foram 15 vítimas.
As multas aplicadas a empresas do setor por condições inadequadas de segurança cresceram quase 20% neste ano. Esse aumento pode ser considerado um indicador da precarização do trabalho, segundo os fiscais. De janeiro a junho de 2008, foram 572 autuações. No primeiro semestre deste ano, 684 -variam de R$ 600 a R$ 6.000.
"Com a retração da economia, a disputa aumenta. A empresa quer a todo custo executar o serviço. Reduz o seu preço e, para tornar o custo da obra viável, corta investimentos em segurança ou economiza na compra de equipamentos. Escolhe os mais baratos em detrimento dos mais seguros", afirma o engenheiro Antonio Pereira do Nascimento, coordenador do programa estadual da construção civil, da SRTE-SP. "A opção é feita pelo cinto de segurança que custa R$ 30, e não pelo que custa R$ 1.000."
A Previdência Social, responsável pelo pagamento de benefícios aos acidentados, não dispõe de dados nacionais recentes. Em 2007, foram 2.804 mortes e 8.504 casos de invalidez permanente registrados em todos os setores da economia. Desse total, 28% foram na construção e no transporte.
"Significa dizer que, no Brasil, 31 trabalhadores por dia não mais retornaram ao trabalho devido a invalidez ou morte", diz Remígio Todeschini, diretor do departamento de Saúde e Segurança da Previdência.
Somente neste ano a Previdência prevê gastar R$ 12,9 bilhões com acidentes de trabalho e aposentadorias especiais. "Para cada R$ 1 pago pelo INSS, o setor empresarial considera outros R$ 4 gastos com demais custos. Assim, serão R$ 51,6 bilhões neste ano", diz o diretor.
A OIT (Organização Internacional do Trabalho) estima que 700 mil trabalhadores morram por ano vítimas de acidentes no mundo. "No Brasil, são 12 mortes a cada 100 mil trabalhadores. Na Suécia, são 3 a cada 100 mil", diz o médico Zuher Handar, diretor da Associação Nacional de Medicina do Trabalho e consultor da OIT.
A pressão para entregar o serviço, a falta de cultura na prevenção de acidentes e a terceirização no setor também aumentam os riscos. "Com medo de perder o emprego, o peão se submete a correr riscos", diz Antonio de Sousa Ramalho, presidente do Sintracon-SP (sindicato da categoria).
Hoje, o setor patronal receberá uma pesquisa do sindicato, com 659 operários, que detalha os acidentes e suas razões. Um em cada 10 trabalhadores já foi vítima de acidentes. A mão e as costas são as partes mais afetadas em 36% deles. "As construtoras serão notificadas a apresentar em 60 dias um plano de prevenção. As que não se regularizarem serão os primeiros alvos das paralisações que faremos em outubro", diz o Ramalho. "O que é mais barato? Arcar com a obra parada por tempo determinado ou prevenir os acidentes?
O carpinteiro Valdir Laurentino de Brito, 42, foi trabalhar no sábado, dia 27 de junho, na mesma obra na zona sul onde já trabalhavam os dois filhos, Vagno, 20, e Valdivan, 18.
"Era o segundo dia de serviço dele, como terceirizado da R&A, que presta serviço à construtora Porto Ferraz. E, em 20 anos, o primeiro trabalho com registro em carteira", diz Vagno. Na obra, o pai trabalhava na montagem de uma bandeja de segurança (proteção de madeira), para evitar a queda de materiais. Usava um cinto, preso a um cabo de aço, segundo o boletim de ocorrência registrado. "O cabo rompeu e ele despencou de uma altura de nove metros. Agora a perícia vai investigar o que ocorreu."
Valdir veio de Itapetim (PE) há um ano porque estava desempregado. "Chegamos há nove meses. Há pouco tempo conseguimos emprego na mesma obra. Eu já fazia planos para estudar direito. Tudo mudou. Vamos voltar para Pernambuco."
Segundo Vagno, ele e o irmão foram demitidos após a morte do pai. "Trabalhei 15 dias, meu irmão, oito. Não recebemos nada. Só a morte de meu pai."
Há sete dias, a Folha procura a R&A, mas não obteve resposta. A Porto Ferraz informou que Valdir usava "todos os equipamentos de proteção". A obra está embargada, segundo fiscais, que informam ter autuado a Porto por falta de equipamentos de proteção coletiva. (CR
O SindusCon-SP (reúne a indústria da construção) avalia que o principal entrave para combater os acidentes de trabalho ainda é a informalidade.
"Em relação aos acidentes, as empresas regularizadas pagam o ônus da informalidade. Nossas obras são fiscalizadas, mas e as informais?", questiona o vice-presidente de Relações Capital-Trabalho do SindusCon-SP, Haruo Ishikawa.
A principal causa das mortes, segundo diz, ainda é o uso de andaimes inadequados e a falta de consultorias e técnicos especializados em escavação, contenção e fundações em obras informais. "Só a fiscalização permanente pode ajudar a reduzir os acidentes." No Estado de São Paulo, são 30 fiscais para verificar todas as obras em andamento -14 atuam na capital.
Desde 1995, a indústria da construção discute, em uma comissão permanente nacional, formada por empregadores, trabalhadores e governo, medidas para aperfeiçoar as normas e leis de segurança e saúde na tentativa de evitar acidentes de trabalho. No Estado, onde 620 mil empregados registrados, existem sete comissões regionais com a mesma finalidade.
Ishikawa afirma que o setor ainda tem elevado índice de acidentes, mas já houve redução "considerável" em relação ao início dos trabalhos da comissão. Em 1997, segundo dados do Ministério do Trabalho, 32 operários morreram em obras da capital. No ano passado, foram 15. Na capital, são 260 mil operários registrados.
O aumento de acidentes verificados de janeiro a junho deste ano -foram 12 nas obras da capital ante 9 em igual período de 2008- pode estar relacionado, segundo diz, ao crescimento do setor e do número de obras. "Pode ainda ser por problemas de pressão com cronogramas atrasados, por um ritmo mais intenso de trabalho, ou por fatalidade. O importante é investigar as causas e combatê-las."
Sobre a terceirização dos serviços (apontada por especialistas como responsável por piorar as condições de trabalho sem dar garantia aos operários), o empresário diz que a contratação de prestadoras serviços é uma "realidade" na construção. "Mas o SindusCon-SP não compactua com a terceirização da terceirização. Nos acordos assinados com os trabalhadores, há cláusulas específicas que defendem os direitos dos terceirizados", diz.
Desde 2008, o Ministério da Previdência discute medidas para reduzir acidentes e doenças na construção. "Além de aperfeiçoar a NR-18 (principal norma regulamentadora do setor), a fiscalização será intensificada em 13 estados.São Paulo é um deles”, diz Remígio Todeschini, da Previdência.(CR)
Fonte: Folha de São Paulo
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